Revisão de Contratos Bancários: Como Identificar Juros Abusivos
**I - INTRODUÇÃO**
A contratação de crédito bancário é prática corriqueira na sociedade contemporânea, seja por meio de empréstimos pessoais, contratos de financiamento, cartões de crédito ou contratos de abertura de crédito rotativo. Embora legítimas, essas avenças frequentemente contêm cláusulas que extrapolam os limites da legalidade, impondo ao consumidor ônus financeiros excessivos.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu art. 6º, IV, assegura a proteção contra cláusulas abusivas e práticas comerciais desleais, aplicando-se às instituições financeiras conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 297/STJ). Nesse contexto, a revisão de contratos bancários é instrumento jurídico que garante o equilíbrio da relação contratual, preservando a boa-fé objetiva e coibindo a cobrança de juros abusivos.
II - FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL
A defesa contra abusos contratuais encontra respaldo na Constituição Federal, art. 5º, XXXII, e no art. 170, V, que incluem a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica.
O CDC aplica-se integralmente às operações bancárias (Súmula 297/STJ) e prevê:
- Art. 6º, V: direito à modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais;
- Art. 39, V: veda a exigência de vantagem manifestamente excessiva;
- Art. 51, IV e §1º: nulidade de cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.
No âmbito específico dos juros, destacam-se:
- Súmula 382/STJ: a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
- Súmula 530/STJ: nos contratos bancários, é vedada a capitalização mensal de juros sem expressa pactuação;
- Lei da Usura (Decreto 22.626/1933): inaplicável às instituições financeiras (Súmula 596/STF), mas isso não afasta o controle de abusividade pelo Judiciário.
III - O QUE SÃO JUROS ABUSIVOS?
A abusividade decorre não da mera superação de determinado percentual, mas da cobrança desproporcional e dissociada da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para a modalidade contratada.
O STJ firmou tese no REsp 1.061.530/RS (recurso repetitivo):
- É possível a revisão das taxas de juros quando demonstrada exorbitância em relação à média de mercado;
- A taxa média do Bacen serve como parâmetro de aferição, embora não como teto absoluto.
Portanto, configura-se abusividade quando a taxa contratada excede significativamente a média do Bacen sem justificativa objetiva.
IV - CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS RECORRENTES
Na prática, os contratos bancários podem conter:
- Juros remuneratórios excessivos: superiores à taxa média do Bacen sem motivo técnico;
- Capitalização de juros (anatocismo): válida apenas se expressamente pactuada e permitida legalmente (art. 4º do Decreto-Lei
- 322/1987 para operações acima de um ano; Súmula 539/STJ);
- Comissão de permanência: só pode ser cobrada quando não cumulada com juros moratórios, multa ou correção monetária (Súmula 472/STJ);
- Tarifas não previstas em regulamentação do Bacen: cobrança de taxas como "taxa de abertura de crédito" ou "registro de contrato" sem nota fiscal são frequentemente glosadas judicialmente;
- Venda casada: contratação compulsória de seguros ou serviços como condição para liberação de crédito (vedada pelo art. 39, I, CDC).
V - JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é referência no tema:
- REsp 1.061.530/RS (Tema 27, repetitivo): admite revisão de juros superiores à média de mercado;
- AgInt no REsp 1.955.343/SP, j. 17/05/2022: capitalização mensal de juros exige pactuação expressa;
- AgInt no REsp 1.921.433/PR, j. 09/03/2021: é ilícita a cumulação da comissão de permanência com outros encargos moratórios;
- AgRg no AREsp 1.061.530/DF: tarifas bancárias sem previsão normativa são abusivas.
VI - O PAPEL DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL
O princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 422 do CC e incorporado no CDC (arts. 4º, III, e 51), exige que as instituições financeiras atuem de forma leal, transparente e equilibrada. A imposição de juros abusivos contraria esse princípio e pode ensejar:
- Revisão contratual, para adequação aos padrões de mercado;
- Repetição do indébito, em dobro, se demonstrada má-fé (art. 42, parágrafo único, CDC);
- Indenização por danos morais, quando a cobrança abusiva gera constrangimento, inscrição indevida em cadastros restritivos ou desequilíbrio financeiro relevante.
VII - PROCEDIMENTOS PARA REVISÃO CONTRATUAL
O consumidor pode buscar a revisão por meio de:
- Negociação administrativa com o banco, munido de planilhas comparativas com as taxas do Bacen;
- Procon e Senacon, que podem intermediar acordos e aplicar sanções;
- Ação revisional judicial, instruída com o contrato, extratos de pagamento e relatório da taxa média de mercado.
Na esfera judicial, é recomendável a produção de prova pericial contábil, a fim de recalcular os encargos aplicados e demonstrar a abusividade.
VIII - DOUTRINA
Para Fábio Ulhoa Coelho, "a atuação das instituições financeiras, embora excluída da Lei da Usura, não está imune ao controle judicial quanto ao excesso, cabendo ao Judiciário corrigir desequilíbrios evidentes" (Curso de Direito Comercial, Saraiva, 2021).
Segundo Claudia Lima Marques, "o contrato bancário é típico contrato de adesão e, por isso, deve ser lido sob a ótica protetiva do CDC, sob pena de perpetuar a vulnerabilidade do consumidor frente à tecnicidade das operações" (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT, 2019).
IX - CONCLUSÃO
A revisão de contratos bancários é instrumento essencial de justiça contratual e equilíbrio econômico. Identificar juros abusivos exige análise comparativa com as taxas médias do Bacen, observação de cláusulas ilegais (como capitalização não pactuada ou tarifas indevidas) e aplicação dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.
O CDC, aliado à jurisprudência consolidada do STJ, confere ao consumidor meios eficazes de restabelecer a equidade, recuperar valores pagos indevidamente e coibir práticas bancárias lesivas.
Em última análise, a mensagem que se extrai é clara: os contratos bancários não são imutáveis; são passíveis de revisão sempre que rompem a fronteira da razoabilidade e impõem ônus abusivo ao consumidor.
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